terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Eu sou um velho palhaço


Muitas já foram as histórias de palhaços apaixonados. Aqueles que já sem a maquiagem vão à porta do circo esperar a amada, que passa lotada dizendo “que palhaço idiota”. E assim nasceu a lágrima desenhada junto à tinta colorida de um rosto que preferirá sempre esconder a dor.

Eu não espero que você me ame. Pra ser sincero, nem que você ria. Tentei ser mágico só pra poder usar smoking preto, mas o coelho da cartola mordeu meu dedo e riram de mim do mesmo jeito. Tentei acrobacias no ar, caí na rede e depois, de ricochete, no chão de pó de serra. Até o leão nem se moveu quando fui eu o domador.

A dor do palhaço ninguém vê – afinal, a ideia é ver só alegria mesmo. Pobre palhaço, não pode nem se apaixonar! Fora do circo anda de bar em bar, ainda colorido, descolando um trago aqui outro ali, até cair embriagado na sarjeta e crianças chutarem seu traseiro de manhã. Hora de ser sombra.

Minhas rugas não somem mais com a maquiagem. Agora nem minha dor. Meu número no picadeiro mudou – uma tragicomédia que ninguém entende. Ninguém mais ri. Enfadonho espetáculo, eu me equilibro nos minutos e meu olhar vago denuncia a falta de saco de fazer criança rir.

É quando vê o milésimo amor da sua vida lhe sorrindo. Pula, sacoleja, cambalhota, grita. As risadas reaparecem. Ele é o palhaço do cartaz novamente! Vem a sirene, o balde de água na cara, deveria acordar do devaneio incontrolável, mas algo de arte ainda o move. Ou seria amor?

Eu te amo, você não vê nestes olhos? Não, volte pra trás, ainda tenho truques pra te conquistar. Quem é esse rapaz loirinho do seu lado? Porque você tá de mãozinha agarrada com ele? E esse beijo, não era pra ser meu? Volte, mata essa bicha louca do caralho e vem que a gente foge com o alazão do circo!... Sua puta!...

Muitas já foram as histórias de palhaços apaixonados. Poucas aquelas que deram certo. De volta ao camarim de terceira grandeza, dois por dois, um balde d’água e um espelho trincado, já nem mais chora as desilusões de cada noite. O dono do circo lhe dá a mixaria da quinzena e mais uma bronca: “um espetáculo mais esquisito que o outro. Se endireita, seu palhaço velho!”

Eu sou um velho palhaço.

CRiga.


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