quinta-feira, 29 de agosto de 2024


 

Ele não era um cara legal

 


Eu não vi as flores nascendo do asfalto
Que é só onde sei procurar.

Na mesma galeria ninguém me disse nada
Algo que eu pudesse guardar.

Eu não ouvi a música da moda
Nem sou o idiota popular da roda.

Eu sou é o vidro que corta
Em vez do falso brilhante.

CRiga.



terça-feira, 27 de agosto de 2024


 

Massa de manobra

 


Um punhado de gente sem cultura.
Uma xícara de assunto polêmico.

666 colheres de malícia.
Uma pitada de maledicência.

Junte tudo e bata em alguém.
Deixe o fermento da fome fazer crescer
E leve ao fogo da intolerância.

Deixe assar reputações,
Depois grelhe no fogo das vaidades
E cubra com uma boa verba de jornal.

CRiga.



 


sábado, 24 de agosto de 2024


 

O quarto Signo


A gente na maioria das vezes não sabe
Do bicho que espreita na esquina.

Mas a gente quebra a esquina porque é o caminho.
Às vezes o ladrão nos rouba de assalto
Outras a gente nem percebe que foi roubado.

Há um significado no zodíaco que não nos cura
E quando a água finalmente tem gosto de pura
Fica tarde pra admirar o pôr do sol.

CRiga.





Mendigar amor

 

Quando eu decidi ser eu com todos os meus defeitos
E tudo o que eu sabia que precisava vencer em mim,

Passei a perder muito mais tempo mendigando
Perdão
Atenção
Razão.

A brincadeira é
“Desculpe por ter nascido”.

O sono
O sonho que me consola
Poderiam durar mais.

Faz tempo que eu sonho em te esquecer.

O tempo agora é só teu, faz favor então
Me esquece antes que o amor daquele verão
Vire um sol quadrado mal desenhado
Num bilhete sobre a mesa do café.

CRiga.




sexta-feira, 23 de agosto de 2024


 

Limo no fim do dia

 


Faca cega também não corta palavras.
Há agora apenas um papel amassado
Afixado na porta da geladeira
Com um imã daquele bem brega.
Alma que escorrega.

Hoje desperdicei o fio falando
Sobre o que não vai mudar a vida de ninguém.
Fim de dia e nem precisava nada assim
Tão profundo.

Bastava um mundo onde por um segundo
se pudesse sonhar ou rimar ricamente.

Não estou mais afiado. Pedra gasta.
Cerveja quente. Coca-Cola sem gás.
Vinil riscado fritando ovo insistindo gritar
Na vitrola mono de uma caixa só.

Um nó na garganta.
O pôr do sol não traz o sorriso de missão cumprida
Porque a louça grita silenciosa na pia.

Apenas o fim do dia.

CRiga.




quarta-feira, 14 de agosto de 2024

terça-feira, 13 de agosto de 2024


 

Quarenta

 


Agulha travada na sujeirinha do velho vinil.
Uma nota só no solo triste de uma guitarra
E num grito mixado de solidão.

Meio emeéle no vidro do perfume francês.
Um cheiro só na fragrância de perder os rumos
Insistindo em guardar lembranças.

Fotografia desbotada no bolso do surrado jeans.
Uma cor de pó gritando no assoalho comido
Um nome rangido, abafado.

Botão de rosa pendurado
No caule quebrado do abandono.
Plantas revirando em nó
No sedento jardim do quintal de pedra
Invadindo a casa um dia lar.

Morri, mas estou de sobrevida
Procurando tolos atalhos
Nas coisas que mofaram
Nos objetos sem objetivos.

Um dia desistiram de mim
Sem me avisar, não foi por mal.

Sexta-feira eu reprogramo
Meu próximo inferno astral.

CRiga.



 


terça-feira, 6 de agosto de 2024


 

Efeito colateral

 



O soldado na trincheira chora
A saudade da terra prometida
E da primeira namorada.

A moça no jardim implora
Mas chuva não traz de volta o seu bem.

A velha na cama conversa com a luz
E Jesus desliga o interruptor.

CRiga.




segunda-feira, 5 de agosto de 2024


 

Um brinde a quem caminha!

 


Há caminhos, caminhante,
Trilhas, atalhos, avenidas.

Há vidas que se cruzam, encruzilhadas,
A dúvida no passo também é normal.

Há o mal, e ao lado não o bem:
Há ali você também
Mãos dadas ou num adeus.

Há mágoa e um rio doce,
Deixe a água pura te embriagar,
Te curar, todo dia é um novo batismo.

Há remédios e receitas de bolo,
Bulas, mapas, livros de poesia
E alguns manuais de pra te autoajudar.

Há máquinas que não param de trabalhar,
Trabalhadores que não param de maquinar –
Como sair, como amar nesse turbilhão?

Há dívidas que a gente paga de coração
Há outras que não aceitam nosso perdão.

Há no fim do arco-íris uma sexta-feira de sol,
Uma flauta doce, um Ravel e um rock and roll.

Há uma mesa reservada, a bebida é gelada,
É inverno, mas a sede de viver
Nos arrasta até a madrugada.

E há no fim um novo começo,
Tropeço, joelho ralado, um lado que dói.

Mas há caminhos, caminhante,
Trilhas e atalhos como antes!

CRiga.