terça-feira, 30 de novembro de 2021

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Fronteira

 


O trem na periferia rosna implacável,
é um monstro de aço.

Estremece feito terremoto
as casinhas de papel.

Sacode os frágeis tapumes
em forma de abrigos
da favela fantasma.

Mas a arquitetura improvisada,
arte eternamente sem dinheiro,
não cai.

Imponente (do seu jeito) joga nas caras
a sofrida sobrevivência.

Porque a pobreza é assim:
enquanto não descarrila o trem
pra dentro da favela fantasma,

tudo é
cotidianamente
apenas transparente.

CRiga.
(Caderno Azul, 1997)



quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Bienal

 


Palavras me roem o calcanhar,
eu caminho sílabas acertando o passo.

Comem pela beirada,
correm licor pelo canto da boca.
Corroem, ácido sulfúrico,
o recheio do bombom.

Palavras se movem se inovando
a cada segundo, eu respiro frases
filtrando a poluição.

Palavras morrem no fim do dia
no fio do cabelo
silabando
sibilando baixinho
obrigado
uma poesia.

CRiga.


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Quando eu quero dizer adeus

 


Levo margaridas colhidas da calçada
e uma foto da juventude.

Lembro das capas dos discos de rock
amaldiçoadas pela doce inexperiência.

Eu cito um Vinícius
e te deixo aquele velho volume rabiscado
do meu primeiro Carlos Drummond.

Trago a aliança tortinha
guardada na caixinha
de acalmar as emoções.

Boto um disco na vitrola,
tem Chico e tem Caetano.

Não há tempo nem coragem
de virar pro lado B.

O quadrinho na parede canta.
Longe de casa
há bem mais de uma semana.

CRiga.




Ladrões

 


Desde tempos que busco na memória
nossa história não é das melhores.

algozes nos matando nas trincheiras
freiras nos amaldiçoando pelos caminhos
ninhos de cobras nossa cama
lama nos campos nosso lar
mar de baleias e peixes mortos
tortos anjos bebendo cachaça
praça de guerra nossa derrota
nota fria e falsa identidade
cidade que nunca é nossa
fossa no balcão dos bares
ares de inverno polonês
inglês defeituoso na fronteira
cadeira elétrica e masmorra
que porra de mil vidas nós levamos!

Mesmo assim
insistes me acompanhar.

Porque me amas desse jeito
feito filme
desde tempos imemoriais.

CRiga.



quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Vibe

 


Vida te empurra.
Então me atropela.

Vide na bula.
Então me cura.

Então me culpa.
Me liberta.

São vedados os olhos da lágrima.

A verdade só abre a porta
pra paz poder se instalar
na decoração do novo lar.

CRiga.



quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Pacto

 


Não sou santo
pastor
nem bom cristão
.

O marketing ganha dinheiro
inventando cartilha de político
e reza de religião.

CRiga.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Ele não era um cara legal

 


Ele não é o cara
dos grandes feitos.

Nem o cara
que tudo arranja.

Ele não é o cara
que conta piadas.

Nem o cara
que vai salvar a festa.

Ele não é o cara
do tapa na cara.

Nem o cara
pacifista da manifestação.

Ele não é o cara
que toca guitarra.

Nem o cara
que gosta da sua música.

Não é o cara
da esquerda.

Muito menos o cara
da direita.

Não é o cara
da moda.

Nem o cara
popular da roda.

Ele é o vidro que corta
em vez do falso brilhante.

CRiga.



segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Cigana

 


Não poderás mais escrever poemas,
pois tuas mãos ficaram entre as minhas pernas,
e dentro de mim compunha
o que poeta nenhum ainda conseguira
descrever em simples palavras.

Não poderás mais cantar tuas canções,
pois tua língua ficou nos bicos dos meus seios,
na minha língua, nos meus lábios,
boca, pescoço, peitos, ventre, púbis,
até a eternidade!...

Não poderás mais ver o pôr-do-sol,
pois teus olhos viram meu espírito
viver no teu corpo e sentir a tua carne,
chorar de prazer quando me tocavas
e de tristeza quando partias.

Tenho certeza, não poderás mais nada!
Por isso sei que voltarás para buscares
tudo o que te pertence.
Inclusive eu.

CRiga.